O jeito Sinatra de gravar

As versões de MacArthur Park e Stardust gravadas pela "Voz"
Por Mario Abbade
20/10/2014
O compositor Jimmy Webb sempre teve que explicar a letra de uma de suas canções mais famosas: “MacArthur Park”, eternizada em sua versão completa por Donna Summer, a rainha diva da Disco Music, e produzida pelo mago Giorgio Moroder. O célebre verso “o bolo na chuva” é um dos mais liricamente intrigantes já escritos. Jimmy Webb explicou à revista Q: “É claramente sobre um caso de amor que termina, e a pessoa cantando está usando o bolo e a chuva como uma metáfora para representar isso. Ok, isso é um pouco incompreensível, mas eu escrevi a música em um momento no final dos anos 60, quando as letras surrealistas estavam na ordem do dia”.
Sinatra é um que entendeu o que Webb queria dizer. E, quando ele gravava uma canção, às vezes ficava meses com a música até encontrar o ponto certo. Acrescentava expressões, mudava palavras, entonação, entre muitas outras assinaturas. Cole Porter era um que detestava isso quando ele fazia com as suas músicas. Porter acreditava que o intérprete deveria cantar a música inteira, com sua introdução e seus versos. Ao mesmo tempo, dizia que ninguém conseguia interpretar e dar o sentimento certo às suas composições como Frank Sinatra. Essa capacidade de Sinatra lhe rendeu um elogio: “não há outra versão para uma canção depois que Frank Sinatra realiza uma cirurgia miraculosa em cima dela”. Eu realmente amo essa expressão (não me lembro qual o crítico que a eternizou). “Sinatra realizar uma cirurgia” em uma música. É perfeita!

Em “MacArthur Park”, é uma cirurgia de grande porte, com Sinatra tirando mais de ¾ da canção original de Jimmy Webb, deixando os poucos versos que ele considerava essenciais, em que ele poderia trazer toda a essência do significado da música. E ele estava certo – é uma gravação maravilhosa!
Em comparação, uma outra “grande cirurgia” semelhante a “MacArthur Park” é a versão de 1961 de “Stardust” (Sintra & Strings álbum). Sinatra canta só a pequena introdução numa das orquestrações mais bonitas já escritas por qualquer pessoa para qualquer canção na história da música popular (feita por Don Costa) – e omite totalmente o famoso estribilho com belos violinos que beiram o dramático e fazem uma espécie de dueto/contraste com o fraseado encantador de Sinatra. É como se a “Voz” entrasse para dar paz e acalmar o turbilhão de emoções causados pelos instrumentos em desespero por estarem perdidos, sem amor. Os resultados foram os mesmos: Um pedaço de genialidade!
Difícil escolher uma favorita no álbum “Trilogy – Past, Present, Future” (gravado em 1979) no segmento “The Present: Some Very Good Years”, mas a minha é provavelmente “MacArthur Park” – um das melodias mais inesquecíveis dessa parte do álbum. A beleza dolorosa de seu canto, a sabedoria melancólica, as cordas deslizam, e as sílabas são expandidas, acho que é tudo totalmente irresistível, e ainda me faz tremer depois de quase 20 anos de ouvi-las. Em combinação com os grandes arranjos de Costa, cada nota atinge o ápice de seu coração e alma. E fica lá.
Existia um projeto completo de um álbum Sinatra-Webb. Isso foi discutido num período da década de 70, e teria sido interessante e (provavelmente) um grande álbum.
Curiosidades:
– “Stardust” é originalmente uma música instrumental composta por Hoagy Carmichael em 1927, mas as letras foram adicionadas em 1929 por Mitchell Parish. Muitos artistas gravaram a canção, como Bing Crosby, Louis Armstrong e Nat King Cole, mas a versão definitiva é a de Frank Sinatra.
– “Trilogy” foi gravado em 1979, mas só foi lançado em 1980, porque Sinatra não ficou satisfeito com o resultado final. Como sempre, ele buscava a perfeição. Apesar de ser um álbum triplo (custava US$ 20,95 na época), vendeu 100 mil cópias só nos Estados Unidos, rendeu o Disco de Ouro e ficou em 17º lugar na lista da Billboard. Sinatra não gravava desde 1974, ano em que lançou dois discos: “Some Things I’ve Missed” e “The Main Event” (registro do lendário show do Madison Square Garden). Ele parou de gravar por sua livre escolha – faltavam canções à sua altura. Sinatra não aceitava interferência das gravadoras; escolhia meticulosamente seu repertório. O designer gráfico de “Trilogy” levou a assinatura de Saul Bass, famoso pelos créditos de abertura de vários filmes do cineasta Alfred Hitchcock, entre eles “Psicose” e “Um corpo que cai”.
– A famosa versão da canção “New York, New York” faz parte do repertório do segmento “Present” do álbum “Trilogy”. A busca pela perfeição nessa música foi uma das responsáveis pelo atraso do lançamento do disco. Sinatra não gostava da introdução só ao piano, da forma como Liza Minelli gravou para o filme homônimo de Martin Scorsese. O arranjador Don Costa escreveu na partitura as mesmas notas para piano, mas usando todos os metais e as cordas da orquestra. O resultado foi uma introdução impactante e eficiente. Assim, Sinatra, aos 64 anos, voltava ao topo do hit parade mundial, após 6 anos sem um álbum novo. Em “New York, New York”, ele usa um recurso musical chamado rallento (retardar). Quando canta pela segunda vez “These little town blues…”, Sinatra arrasta o vocal e muda o tempo musical, causando um breve descompasso entre sua voz e a orquestra. O efeito é imediato. Os cantores de ópera usam e abusam do recurso.

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